יום שלישי, 24 בנובמבר 2009

Caim - José Saramago


Miriam Ringel*

Alguns comentários sobre Caim - José Saramago

«Como tudo, as palavras têm os seus quês, os seus comos e os seus porquês» (Caim, p. 55)

1. Pergunto-me como é que muitas pessoas lêem Caim tendo à mão a Bíblia e a Internet e procuram as interpretações do que está escrito comparando-as com os versículos que são do conhecimento geral. Suponho que poucos o farão, e por isso no meu entendimento existe a possibilidade de as pessoas interpretarem o que está escrito neste livro de forma distorcida.
2. Quem está a ler o livro e não está familiarizado com a Bíblia será cativado pela frase que Caim disse a Deus depois de ter matado o seu irmão Abel. «É simples, matei abel porque não podia matar-te a ti, pela intenção estás morto...» (Caim, p.38).
No Peshat (Peshat é um dos quatro métodos clássicos usados pelos eruditos da Bíblia judaica para compreender a Bíblia hebraica. Peshat literalmente significa «simples» e descreve o significado do texto pelo seu valor aparente) esta frase de Caim simboliza o homem que deseja matar Deus, matar o Pai (Freud), assim como toda a viagem em tempos futuros e a descrição dos episódios escolhidos a serem incluídos no texto estão lá para servir este desejo.
3. Houve aqueles que disseram que Saramago lê a Bíblia como ficção, na qual cada palavra recebe o seu significado verbal e não como uma história que tem uma infinidade de interpretações que lhe foram sendo atribuídas ao longo de centenas de anos. Além disso, do meu ponto de vista Saramago lê a Bíblia de uma certa maneira naïf, aquela que caracteriza o leitor de uma história lendária. Mas esta leitura é também similar àquela da criança que, desiludida pela leitura infantil, pergunta de imediato: Como é possível que uma pessoa voe num tapete? E assim estraga para si próprio (e para nós) a magia do mito.

Saramago quer afastar-nos a todos, judeus, cristãos e muçulmanos, do mundo desta «lenda», no qual se podem encontrar milagres e segmentos de moral com um determinado fim lado a lado com atrocidades com o mesmo determinado fim. E quer que façamos perguntas de significado profundo, tais como que entendimento temos de nós próprios nesta terra? Em que espécie de pessoas nos estamos convertendo e por que não aprendemos nada da história longínqua (a da Bíblia e das diferentes mitologias) e da história de hoje, criada perante nós no século xxi?
4. Saramago disse em muitas entrevistas que Deus é uma invenção do cérebro humano. Se Deus é uma invenção, como é que ele está presente no livro na plenitude da sua força e influência? Deus é quase uma «personagem de facto» que ajuda, de acordo com a leitura de Saramago, principalmente os pecadores.
Deus criou Adão e Eva e também criou Caim e Abel. Se ele é culpado da acção de Caim, então ele existe, tem de ser encontrado, está lá, e esta é uma contradição interna que eu encontro ao longo desta obra de Saramago.
Este livro é acerca do homem demoníaco que se torna num tipo de «herói» que é um profeta, que prediz a maldade que guia os seres humanos, e isto torna-se um pouco incompreensível para mim. Por que é que é Caim quem vagueia pelas regiões do futuro e irá estar presente nos acontecimentos que fundam uma nação? E, como mencionado, há aqui uma escolha deliberada de acontecimentos com uma sombra de massacre, morte, exploração e maldade feitos, de acordo com Caim/Saramago, em «nome de Deus».
A partir daqui é inevitável a referência à realidade presente, e Saramago dispersa no texto comentários reais e aparentemente não apenas o leitor sensitivo e inteligente os atingirá e compreenderá.
5. Saramago traz Caim à cidade da rainha Lilith, que era uma imagem relativamente sem importância na mitologia suméria e acadiana e que teve um papel significativo nas culturas monoteístas por representar o caminho determinante das fronteiras da sexualidade.
A Lilith da nossa história é casada com um homem de nome Noah, que de facto é um outro nome para aquele que virá a ser mais tarde mencionado no livro – Noé – , a figura bíblica, e esta ideia é muito interessante. Será que Saramago, como é seu hábito, quer iludir de novo o leitor?
Lilith é a mulher adúltera, absorvida pela sexualidade, que escolhe os seus amantes e lhes ordena que vão ao seu palácio, e Caim é um amante escolhido.
Quando lhe é perguntado o nome, Caim diz – Abel, e este é também um ponto muito interessante da história. Será que receia o que o seu nome e a marca na sua testa tragam consigo? Será correcto dizer que há aqui um modo inconsciente de desejo de pedir perdão pela acção pecaminosa que executou? Durante a história Caim volta ao seu nome original e em certo passo também adopta o nome de Noé.
O nome de Caim deriva do que Eva disse: Comprei um homem (Rashi), a raiz da palavra é criar, desenhar, dar forma, o significado do nome do primeiro filho de Adão é – criação.
A mudança de nome não faz dele um outro homem e não apaga a acção que ele praticou, e a marca na testa servirá ao longo de gerações como uma conotação daquilo que significa mau, cruel, demoníaco.
6. A história da relação entre Lilith e Caim é também mencionada num livro esotérico que serve de inspiração aos escritores de contos e é muito interessante que Saramago tenha escolhido esta versão.
O Livro de Nod  é um livro ficcional que descreve o Mundo das Trevas. Conta a criação do mito dos vampiros, a história da maldição de Caim, o seu exílio na Terra de Nod, e as suas palavras aos seus descendentes, assim como profecias  que abarquem o provável destino da raça dos vampiros. O Livro de Nod foi na realidade impresso para ser usado como adereço no jogo e para inspiração dos contadores de histórias. A sua primeira secção é «A Crónica de Caim», relatando os acontecimentos do exílio de Caim, de acordo com o castigo que recebeu de Deus na Bíblia. Estes acontecimentos incluem o assassínio de Abel, que é descrito como o seu melhor amigo e o seu irmão muito amado, a rebeldia aos anjos de Deus, os encontros com Lilith, a procriação de outros vampiros e o achamento da primeira cidade.
A primeira parte de Caim, que é uma história bela, termina quando Caim deixou o palácio de Lilith e andavagueando pela terra. Ele começa a vaguear em tempos diferentes ou talvez nos dois países:
«Era como se existisse uma fronteira, um traço a separar dois países, Ou dois tempos, disse caim sem consciência de havê-lo dito, o mesmo que se alguém o estivesse pensando em seu lugar.» (Caim, p. 78)
7. Não mencionarei as passagens nas quais Caim se dirige aqui e ali durante o romance, assim como não quero estragar a leitura àqueles que ainda não leram o livro. Gostaria de relatar apenas o último episódio – a arca de Noé – e a presença de Caim neste acontecimento tão apelativo. Como já mencionei antes, desta vez o nome de Noah é mudado para Noé. É uma estranha história de adultério de todos com todos, incluindo a pista do que Ham fez a seu pai, Noé. Caim matará toda a família de Noé, um após outro, e ficará sozinho com Deus – esta será a sua retaliação a Deus. Caim não é um parceiro digno de se unir a Deus e assim Deus permanecerá sozinho, sem qualquer companhia humana, e o livro acabará com esta frase:
«A história acabou, não haverá mais nada que contar.»
E nós esperaremos ansiosos pelo próximo livro do laureado com o Nobel.

* Miriam Ringel é ex- inspectora de Estudos Literários em Ort, numa organização dos colégios e escolas secundárias. O seu mais recente livro intitula-se Viagem na Senda das Vozes, A Vida e a Obra de José Saramago, Jerusalém, Ed. Carmel, 2009 (em hebraico)
Tradução de Rita Pais / Fundação José Saramago




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